Créditos: Liana John - 12/02/2015
Lipídios do bem, com muita energia; fibras; proteínas; minerais importantes como potássio, manganês, cobre, boro, cromo; um pouco de vitamina B1 e uma bela dose de vitamina E, aquela que é antioxidante e elimina os radicais livres do envelhecimento. Essa lista toda de boas propriedades nutricionais e mais um toque extra de antocianinas – as amigas do coração – garantem a fama da polpa de açaíentre atletas e consumidores preocupados com a saúde.
Mas as qualidades do fruto do açaizeiro (Euterpe oleracea) não param por aí. O açaítambém serve de base para novos biopolímeros com aplicações médicas, muito promissoras na regeneração óssea. E esse tipo de uso se deve à feliz mistura de paixão de infância (pela polpa de açaí) com curiosidade científica, da engenheira química Carmen Gilda Barroso Tavares Dias, doutora e pós-doutora em Ciência e Engenharia de Materiais e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Há muitos anos, Carmen esmiúça os caroços de açaí com a ajuda de uma dezena de alunos de pós-graduação, para conhecer as características e as propriedades de cada um de seus componentes. O objetivo é estudar possíveis usos para a montanha de resíduos que se acumula nos centros de beneficiamento do açaí, após a retirada da polpa.
“Em minha formação, trabalhei com plásticos termorrígidos para aeronaves, mas, com o tempo, aqui no Instituto de Tecnologia da UFPA, acabamos recebendo muitas demandas de médicos. Eles queriam saber o tempo de validade de produtos de poliuretano e materiais hospitalares. Daí surgiu a ideia de trabalhar na área biomédica”, conta a pesquisadora. Ela então buscou uma parceira com Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia, que já desenvolvia biomateriais para auxiliar na reabilitação de tecidos ósseos, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E esta colaboração resultou no biopolímero à base de caroço de açaí, ainda em desenvolvimento e testes no Biofabris, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) voltado para Biologia Molecular e Biomateriais, localizado na Unicamp.
O processo de fabricação do biopolímero tem várias etapas: após a retirada da polpa, os caroços do açaí passam por uma máquina que separa fibras e borra das sementes secas, que contém açúcares e óleo. Dessas sementes é extraído um tipo de açúcar, o polil, que é modificado e transformado em poliuretano, após a adição de hidrogênio e isocianeto. Depois são acrescentadas nanopartículas de hidroxiapatita, substância composta de fosfato de cálcio, como os ossos.
“As células ósseas aproveitam esse biomaterial como matéria prima para a regeneração. É como se entregássemos o que essa célula precisa para construir sua ‘casinha’ ou ‘caverninha’, já com a geometria apropriada, com o cálcio e o fósforo (hidroxiapatita) disponíveis”, compara a especialista. O biomaterial é poroso, rígido, estimula a regeneração óssea e ainda é biorreabsorvível, quer dizer, ele promove o crescimento de tecido ósseo e depois é reabsorvido pelo organismo, dispensando cirurgia de retirada do implante, como ocorre com pinos ou implantes metálicos.
Outra grande vantagem deste biopolímero de açaí é o custo, cerca de cinco vezes menor do que o da biocerâmica, por exemplo. Isso se deve, em parte, ao fato de a principal matéria-prima ser de origem vegetal e, portanto, um recurso renovável. Mas a cadeia produtiva de polpa de açaí também contribui para o baixo custo, na medida em que disponibiliza os tais montes de caroços nos centros de beneficiamento, como é o caso de Belém, onde fica o Instituto de Tecnologia da UFPA, no qual trabalham Carmen Dias e sua equipe.
Para chegar aos hospitais, o biopolímero de açaí ainda precisa passar por diversos testes, como o de estabilidade em longo prazo. Mas já demonstrou ter boas qualidades mecânicas e ser biocompatível. Isso significa mais facilidade de adaptação do paciente à prótese ou ao enxerto e menos chances de rejeição do organismo. O novo biomaterial ainda pode ser fabricado camada por camada, a partir de imagens produzidas por tomografia, de modo a se produzir uma peça de encaixe perfeito para o lugar onde falta o osso ou onde há um defeito a se corrigir. Sua resistência, porém, é limitada. Assim, as aplicações mais recomendáveis são as reconstituições dos ossos da face e do crânio. Para ossos submetidos a esforços mecânicos, peso e pressão – como o fêmur – o material mais indicado continua sendo o titânio.
Os recursos para as pesquisas com o biopolímero à base de açaí vêm de diversos órgãos de financiamento, como as fundações de amparo à pesquisa dos estados de São Paulo e do Pará (Fapesp e Fapespa), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes). Mas o mérito de juntar tais recursos com boas ideias e conhecimento científico, em favor da sociedade, é mesmo da apaixonada por açaí, Carmen Dias. Apaixonada até os ossos, pelo jeito!
Foto: Liana John (frutos de açaí)
Fonte: planetasustentavel.abril.com.br
Fonte: planetasustentavel.abril.com.br
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